domingo, 6 de março de 2016

Quando uma “amizade” nas redes sociais podem caracterizar a suspeição de uma testemunha?

Ter um conhecido em seu grupo de Whattsapp, Facebook, Instagram ou outra rede social pode impedir que essa pessoa seja ouvida em uma audiência na justiça?


Essa dúvida tem sido objeto de muitas dúvidas em audiências na justiça, sendo fruto da ampla interpretação que pode ser dada na leitura do art. 405, §3º, III e §4º do Código de Processo Civil. O mesmo ocorre em audiências trabalhistas, por fruto do art. 829 da CLT

Esses dispositivos impedem de depor como testemunhas pessoas suspeitas, na qual se enquadram os amigos íntimos, podendo o juiz ouvi-los como informantes (pessoas que não prestam o compromisso de não mentir), lhe atribuindo valor que possa merecer.

A controvérsia gira em torno do conceito impreciso do que seria amigo íntimo.

Ao observamos jurisprudência que trata sobre o assunto é possível se extrair uma lógica de como as relações nas redes sociais estão sendo enquadradas. 

As redes sociais permitem que uma pessoa tenha diversos colegas adicionados a seus contatos, sem que isso se caracterize como amizade íntima, muitas vezes adicionando contatos que não possuem muita relação, ou que apenas possuem curiosidade de obter informações sobre o cotidiano.

A amizade íntima somente se caracteriza quando há uma relação de grande proximidade, confiança e afeição, o que nem sempre ocorre no mundo virtual pelo simples fato de ter alguém adicionado em suas redes.

Trocas de mensagens superficiais e esporádicas também não caracterizam uma relação de amizade.  

Como exemplo, trazemos alguns julgados sobre o assunto:

CONTRADITA. Testemunha mantém a autora em seu perfil de amigos do facebook o facebook é uma rede social, de utilização gratuita, onde os usuários criam seus perfis com fotos e listas de interesses, com possibilidade de troca de mensagens públicas e privadas entre eles próprios e os participantes de um grupo de amigos. Essa rede social permite que o usuário, comumente, tenha muitos amigos em seu perfil. Centenas, inclusive., sem que com estes possua contato estreito e íntimo. Sendo assim, entendo que o simples fato de a testemunha possuir a autora em seu grupo de amigos do facebook, de per si, não configura a amizade íntima prevista no art. 405, u parágrafo 3º, III, do CPC. Isso porque a amizade íntima apta a configurar a suspeição para depor em juízo caracteriza-se pelo relacionamento social que ultrapassa o âmbito da relação de emprego e evidencia a convivência íntima, estreitamente ligada por afeição e confiança. Não configurada essa hipótese, o indeferimento da contradita é medida que se impõe. Recurso ordinário da reclamada a que se nega provimento, neste aspecto. (TRT 2ª R.; RO 0001332-41.2012.5.02.0441; Ac. 2013/0747135; Décima Oitava Turma; Relª Desª Fed. Maria Cristina Fisch; DJESP 23/07/2013, Indexador n. 21266207  - retirado da revista autorizada LexMagister) 
TESTEMUNHA. CONTRADITA. AMIZADE VIRTUAL (FACEBOOK E INSTAGRAM). SUSPEIÇÃO NÃO CONFIGURADA. É cediço que, na sociedade pós-moderna, com o avanço das tecnologias e da informática, especialmente da Internet, passaram a ter destaque e utilidade as chamadas redes sociais, como Facebook e Instagram, nas quais as pessoas mantêm relacionamentos virtuais e interpessoais nos quais adicionam, indistintamente, perfis de amigos reais e até íntimos ou não. Desse modo, o fato de a testemunha indicada figurar como amigo, no Facebook e no Instagram, da parte, por si só, não configura a suspeição a que aludem os artigos 829, da CLT e 405, § 3º, III, do CPC. Isso porque a amizade íntima prevista nos citados dispositivos legais se verifica quando as pessoas compartilham entre si a vida privada, em convivência muito próxima e intensa, consubstanciando-se no convívio constante, na troca de visitas sociais e de confidências. Se a testemunha ouvida, inobstante figure como amiga virtual da parte, quando da contradita, não demonstra de fato a existência de relacionamento com essas características, como no caso dos autos, não há qualquer razão para que ela seja considerada suspeita. (TRT 3ª R.; RO 0001554-70.2014.5.03.0098; Rel. Des. Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto; DJEMG 19/02/2016, Indexador n. 17408990 – retirado da Revista Autorizada LexMagister).

SUSPEIÇÃO. AMIZADE VIA FACEBOOK. CONTRADITA DA TESTEMUNHA. NULIDADE POR CERCEIO DE DEFESA. A troca de mensagens via facebook, por si só não caracteriza amizade para fins de suspeição de testemunha. As redes sociais, apesar de fisicamente distanciar as pessoas, promovem amizades virtuais, nem sempre correspondente à vida real. Logo, se as mensagens não revelam caráter íntimo ou confidencial, não há falar em acolhimento da contradita por alegação de suspeição da testemunha. (TRT 17ª R.; RO 0123700-33.2013.5.17.0010; Segunda Turma; Relª Desª Wanda Lúcia Costa Leite França Decuzzi; Julg. 28/05/2015; DOES 11/06/2015; Pág. 236,  Indexador n. 34131596 – retirado da Revista Autorizada LexMagister

Contudo, pode ser caracterizado como amizade íntima casos de fotos postadas em redes sociais quando frequentes e situações que demonstram proximidade entre os colegas, como daqueles que frequentam os mesmos lugares com constância, possuindo o mesmo círculo restrito de amizades.

Outro fator analisado para comprovar a amizade íntima parte da análise das conversas trocadas. Quando aparentam intimidade, confidencialidade e um relacionamento próximo, costumam ocasionar a contradita da testemunha.  

PROVA TESTEMUNHAL. CONTRADITA. AMIZADE ÍNTIMA COMPROVADA POR FOTO "POSTADA" EM REDE SOCIAL ("FACEBOOK"). CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA NÃO VERIFICADO. AUSÊNCIA DE NULIDADE PROCESSUAL. Neste limiar de novo século, tem- se vislumbrado novas formas de manifestação, relacionamento e "convivência" entre os cidadãos, rompendo-se os paradigmas convencionais outrora observados. Reflexos dessas intensas transformações tecnológicas podem ser facilmente aferidos no comportamento humano hodierno: as pessoas preocupam-se em manter uma extensa rede de amizades "on-line", na qual compartilham seus momentos de lazer, suas conquistas profissionais e até mesmo seus afazeres domésticos mais comezinhos, concebendo uma "realidade virtual" que, muitas vezes, não guarda a menor correspondência com a realidade efetiva (e afetiva). É o chamado "Paradoxo da Internet", marcado pela contradição entre a maior possibilidade de se manter contato com outras pessoas e a real ausência de contato humano. Com efeito, o simples fato de se rotular duas pessoas como "amigas" em uma rede social, tal qual o "Facebook", não tem o condão de configurar, juridicamente, a amizade íntima que a Lei menciona como fator obstativo à produção de prova testemunhal isenta de ânimos (art. 405, § 3º, III, do CPC e art. 829 da CLT). Em verdade, o próprio termo "amigo" tem sido utilizado de maneira corriqueira, merecendo detida análise por parte do intérprete. Todavia, ainda que válidas tais premissas, impende destacar que a I. Magistrada de piso, no caso em análise, apreendeu a efetiva amizade íntima entre o Autor e a testemunha. amizade íntima, aqui, compreendida em seu sentido estrito, hábil a ensejar a suspeição do testigo. Frise-se: a decisão primeira pautou-se no fato de estarem juntos, Autor e testemunha, em ambiente de descontração (fora do local de trabalho) e reunidos em pequeno grupo (o que indica acentuada proximidade entre as pessoas ali presentes), além de dizeres de explícita e inequívoca demonstração de afeto, tais como "amigos que muito amo", "mais que especiais", "amo esses amigos" e "amizade verdadeira não tem preço". (rectius: cerceamento do direito de ação) rejeitada. Recurso obreiro desprovido. (TRT 9ª R.; RO 00849/2013-021-09-00.8; Sétima Turma; Rel. Des. Ubirajara Carlos Mendes; DEJTPR 15/05/2015, Indexador n. 23096823 – retirado da  Revista Autorizada LexMagister) 


Não há como se negar a verdadeira dificuldade prática de se distinguir o conceito de amizade íntima, no entanto, esses são alguns aspectos que costumam ser verificados a fim de se configurar essa relação.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...